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Nos últimos anos, o aumento significativo dos cursos de pós-graduação lato sensu em especialidades médicas visando a substituição da residência médica tem gerado um debate intenso na comunidade médica. Esses cursos, oferecidos por diversas instituições de ensino, prometem uma especialização rápida e acessível, atraindo médicos recém-formados que buscam aprimorar suas qualificações. No entanto, a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) alerta para os riscos associados a essa crescente busca pela modalidade de formação.

A posição da ABORL-CCF, respaldada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), é clara: o caminho ideal para a formação de um especialista em Otorrinolaringologia é a residência médica, (a residência é a especialização formal) e a aprovação em uma prova de título. Esse percurso rigoroso garante que o profissional adquira a experiência prática e teórica necessária para atuar com segurança e competência.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região recentemente reforçou essa visão ao manter a Resolução CFM 2.336/23. Segundo essa norma, os médicos que concluírem cursos de pós-graduação lato sensu devem divulgar suas qualificações acompanhadas da expressão “NÃO ESPECIALISTA”, em caixa alta. Essa decisão visa proteger os pacientes de possíveis confusões quanto à real qualificação dos profissionais.

Para discutir essas questões de forma detalhada, o Portal Vox Otorrino entrevistou o Dr. Virgílio Prado, presidente do Comitê de Defesa Profissional da ABORL-CCF e ex-presidente do CRM-AC. Na entrevista a seguir, Dr. Virgílio aborda a importância da formação tradicional, as diferenças entre residência médica e pós-graduação lato sensu, os riscos para a saúde pública e a necessidade de transparência na qualificação dos médicos.

Entrevista: Dr. Virgílio Prado, presidente do Comitê de Defesa Profissional da ABORL-CCF

[Portal VoxOtorrino] Qual é a importância de seguir o caminho tradicional de formação em Otorrinolaringologia, que inclui residência médica, especialização e prova de título?

[Dr. Virgílio] Ser médico é uma grande responsabilidade. “O médico tem o poder de modificar a vida das pessoas”. Muitas outras profissões têm feito uso desta mesma frase, pois ela é impactante. Mas a medicina realmente modifica o ser humano. Ter uma doença e conseguir se livrar dela pode ser a diferença entre estar vivo ou morto. Pode acrescentar anos de vida saudável e com qualidade. A busca dos pacientes pela melhora na qualidade de vida é algo muito presente na nossa especialidade.

Agora, ser capaz de oferecer tal benefício às pessoas não é simples. Ser um especialista em otorrinolaringologia demanda tempo, conhecimento, aprendizado pela vivência e pelo exemplo. Não há possibilidade de se tornar um profissional realmente capaz de beneficiar os pacientes com ganho em saúde e qualidade de vida sem trilhar o caminho da formação completa dentro de uma residência médica.

Quais são as principais diferenças entre um curso de pós-graduação lato sensu e a residência médica no que tange à formação e qualificação dos especialistas?

A residência médica tem carga horária de 60 horas semanais durante três anos, num total de 8.640 horas. Para se ter noção do que isso significa, é mais que o dobro da carga horária total mínima de um curso de graduação em direito, realizado em cinco anos. Ou seja, ser um especialista em otorrinolaringologia exige tempo, dedicação e um extensivo treinamento sob direta supervisão.

A pós-graduação sequer tem normas estabelecidas, mas, segundo informações veiculadas pelos grupos que tentam organizar esses cursos, a carga horária é inferior a 800 horas, menos de 10% do tempo de uma residência. É impossível ter uma formação minimamente segura. É impossível fazer um curso desses e sair apto a praticar atos médicos relativos à especialidade.

Como o aumento de cursos de pós-graduação em Otorrinolaringologia pode impactar a percepção dos pacientes sobre a qualificação dos médicos?

A população tem dificuldades em diferenciar um profissional com formação tradicional de um com formação precária em pós-graduação. Temos nítidos exemplos disso em especialidades como nutrologia, dermatologia, geriatria, entre outras.

Uma vez que não especialistas passam a atuar dedicados à especialidade, erros decorrentes de formação precária serão atribuídos à especialidade. Será comum a frase: “Já fui a um otorrino, mas não resolveu nada, só piorou”. O impacto será sentido por todos os especialistas.

Quais são os riscos para a saúde pública e para os pacientes quando médicos sem a formação adequada se anunciam como especialistas?

A otorrinolaringologia tem uma área muito ampla de atuação. Atendemos homens e mulheres, crianças com menos de um dia de vida até idosos com mais de 100 anos. Atendemos patologias cujo diagnóstico é possível de ser feito apenas com anamnese e outras que somente serão definidas após extensa abordagem clínica, cirúrgica e laboratorial.

A diferenciação dessas doenças muitas vezes está em detalhes, que facilmente podem passar despercebidos por quem não teve a vivência adequada da especialidade durante as mais de 8.000 horas da residência médica. Pode haver o atraso do diagnóstico e o consequente agravamento de uma doença. Pode haver até mesmo o erro de diagnóstico, levando a tratamentos ineficazes, dispendiosos e perigosos aos pacientes.

De que maneira a Resolução CFM 2.336/23 busca proteger os pacientes e assegurar a transparência na qualificação dos profissionais médicos?

A resolução supracitada versa sobre a publicidade médica. As normas exigem a devida apresentação do médico e de suas qualificações, proibindo a informação errada ou exagerada. Mas a fiscalização do estrito cumprimento das regras ainda é um desafio do sistema conselhal. Muitas informações chegam aos pacientes de forma distorcida. Muitos anunciam de modo disfarçado, dando a impressão de possuir a competência em determinada especialidade sem ser especialista.

A norma é boa, mas sua aplicação ainda precisa ser aprimorada.

Quais são os benefícios e as limitações dos cursos de pós-graduação lato sensu na formação de médicos?

O benefício real é dos grandes conglomerados de ensino, que se aproveitam da desproporção do número de médicos formados anualmente e do número de vagas em residências médicas para expandir a oferta de cursos na área mais lucrativa do mercado de ensino.

Agora, as limitações são várias. Começa-se pela precária informação fornecida na publicidade que oferta esses cursos. Qual será o corpo docente? Quais serão os locais de prática clínica e o que se espera de profundidade de aprendizado nesses locais? As aulas serão presenciais ou remotas, qual a proporção entre os dois formatos?

A pós-graduação não habilita, não cria condições para o pleno exercício da profissão, não dá a experiência e a vivência na especialidade. Enfim, não é o caminho para quem deseja ser um especialista.

Como a ABORL-CCF e outras entidades podem colaborar para esclarecer médicos e pacientes sobre a importância de uma formação especializada correta?

Temos que usar os meios de comunicação com muita ênfase, com enfoques específicos para cada público. Para a população, ensinar como diferenciar um médico com a devida especialização de outro com formação abaixo do ideal. Para os especialistas, mostrar o quão deletério para si próprio e para seus colegas de especialidade é esse fenômeno, desencorajando-os a ter qualquer tipo de envolvimento com cursos de pós-graduação.

Que conselhos o senhor daria para médicos recém-formados que desejam se especializar em Otorrinolaringologia?

O graduando ou recém-graduado em medicina precisa entender que não há caminho fácil. Se aventurar em uma pós-graduação, principalmente de uma especialidade com múltiplos procedimentos, que ocorrem até mesmo em uma consulta rotineira, realizados em estruturas e órgãos de difícil acesso, com inúmeras variações anatômicas, pode levar a erros graves e lhe custar o CRM.

O jovem médico precisa entender a realidade da profissão. Somente estudando muito, tanto para passar na prova como durante a residência, ele poderá se tornar um especialista e usufruir dos seus benefícios. Os atalhos, e a pós-graduação é o maior exemplo, lhe condenarão eternamente ao subemprego, à baixa remuneração, à frustração com a profissão e ao adoecimento físico e mental.

Acompanhe as próximas notícias no Portal VOX Otorrino e envie as suas sugestões de pauta para comunicacao1@aborlccf.org.br.

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